Os antigos 
Os antigos invocavam as Musas. 
Nós invocamo-nos a nós mesmos. 
Não sei se as Musas apareciam – 
Seria sem dúvida conforme o invocado e a invocação. – 
Mas sei que nós não aparecemos. 
Quantas vezes me tenho debruçado 
Sobre o poço que me suponho 
E balido “Ah!” para ouvir um eco, 
E não tenho ouvido mais que o visto – 
O vago alvor escuro com que a água resplandece 
Lá na inutilidade do fundo… 
Nenhum eco para mim… 
Só vagamente uma cara, 
Que deve ser a minha, por não poder ser de outro. 
E uma coisa quase invisível, 
Exceto como luminosamente vejo 
Lá no fundo… 
No silêncio e na luz falsa do fundo… 
(Fernando Pessoa. Poemas de Álvaro de Campos. São Paulo, Saraiva, 2013, p. 156)