1. Sem deixar de reconhecer seus méritos, o crítico Richard Brody classificou “Parasita”, do coreano Bong Joon-ho, como um
filme conservador. Entre outras coisas, por expressar a urgência de uma correção da ordem social e econômica, sem romper com as
regras do entretenimento comercial.
2. Já entendemos que as coisas perderam o rumo, mas continuamos caminhando para o precipício. Bong se apoia nesse
consenso para transmitir uma parábola admonitória que nos faz rir ao mesmo tempo que nos confronta com nosso próprio suicídio.
3. Ortega y Gasset dizia que a comédia era um gênero que confirmava o poder do que já está estabelecido: o indivíduo que se
encontra fora das estruturas torna-se ridículo, cômico. Bong inverte a lógica. Ridículo é quem ainda acredita na normalidade das
estruturas.
4. Já nos primeiros minutos, o protagonista, filho de uma família de párias, considera, diante da miséria à sua volta, o quanto
“tudo é metafórico”. Na comédia proposta por Bong, para falar do estado insustentável da desigualdade no mundo, as metáforas são
evidentes. Rimos do que já entendemos.
5. O filme opõe uma família de desempregados, condenados a viver como parasitas, a uma família de ricos frívolos, enredados
em pequenas neuroses e ambições previsíveis, entre os muros que os separam da realidade.
6. Atentos às menores chances de sobrevivência, em pouco tempo pai, mãe e os dois filhos da família pobre estarão ocupando
cargos de confiança na casa dos ricos, graças a uma série de circunstâncias.
7. A casa onde vivem os ricos, representativa de uma tradição moderna de elegância e conforto minimalista, é mal-assombrada,
a julgar pelas visões do filho menor.
8. O que se instila na parábola de Bong Joon-ho é um conservadorismo estético. É fato que o estado político, social e econômico
do mundo desautorizou as ambições da modernidade. A casa da família rica, em seu empenho modernista, não só não resolve a
desigualdade econômica como a esconde, encobre, transforma-a em fantasma.
9. Mesmo ironizando o projeto modernista, o cineasta não rompe, por razões táticas, com as regras do sistema de entre-
tenimento que acompanha essa mesma ordem desigual. É como se o discurso artístico também precisasse reduzir-se ao mais básico
e consensual entendimento das coisas (as metáforas imediatamente reconhecíveis por todos), evitando as contradições e o mistério
que são a matéria de uma arte de ruptura.
10. Em “Parasita” não há desejo de ruptura nem revolução. Com a ponderação típica de um conto moral, ele nos exorta a salvar o
que ainda não desmoronou.
(Adaptado de: CARVALHO, Bernardo. Disponível em: www.folha.uol.com.br)