Você vende uma casa, depois de ter morado nela
durante anos; você a conhece necessariamente melhor
do que qualquer comprador possível. Mas a justiça
é, então, informar o eventual comprador acerca de
qualquer defeito, aparente ou não, que possa existir
nela, e mesmo, embora a lei não obrigue a tanto,
acerca de algum problema com a vizinhança. E, sem
dúvida, nem todos nós fazemos isso, nem sempre, nem
completamente. Mas quem não vê que seria justo fazê-lo e que
somos injustos não o fazendo? A lei pode ordenar essa
informação ou ignorar o problema, conforme os casos;
mas a justiça sempre manda fazê-lo.
Dir-se-á que seria difícil, com tais exigências, ou
pouco vantajoso, vender casas... Pode ser. Mas onde
se viu a justiça ser fácil ou vantajosa? Só o é para quem
a recebe ou dela se beneficia, e melhor para ele; mas só
é uma virtude em quem a pratica ou a faz.
Devemos então renunciar nosso próprio interesse?
Claro que não. Mas devemos submetê-lo à justiça, e
não o contrário. Senão? Senão, contente-se com ser
rico e não tente ainda por cima ser justo.
COMTE-SPONVILLE, A. Pequeno tratado das grandes virtudes.
São Paulo: Martins Fontes, 1995. No processo de convencimento do leitor, o autor desse
texto defende a ideia de que
✂️ a) o interesse do outro deve se sobrepor ao interesse
pessoal. ✂️ b) a atividade comercial lucrativa é incompatível com
a justiça. ✂️ c) a criação de leis se pauta por princípios de justiça. ✂️ d) o impulso para a justiça é inerente ao homem. ✂️ e) a prática da justiça pressupõe o bem comum.