A draga
A gente não sabia se aquela draga tinha nascido ali, no Porto, como um pé de árvore ou uma duna.
— E que fosse uma casa de peixes?
Meia dúzia de loucos e bêbados moravam dentro dela, enraizados em suas ferragens.
Dos viventes da draga era um o meu amigo Mário-pega--sapo.
[...]
Quando Mário morreu, um literato oficial, em necrológio caprichado, chamou-o de Mário-Captura-8apo! Ai que dor!
Ao literato cujo fazia-lhe nojo a forma coloquial.
Queria captura em vez de pega para não macular (sic) a língua nacional lá dele...
[...]
Da velha draga
Abrigo de vagabundos e de bêbados, restaram as expressões: estar na draga, viver na draga por estar semdinheiro, viver na miséria
Que ora ofereço ao filólogo Aurélio Buarque de Hollanda
Para que as registre em seus léxicos
Pois que o povo já as registrou.
BARROS, M. Gramática expositiva do chão: poesia quase toda. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1990 (fragmento).
Ao criticar o preciosismo linguístico do literato e ao sugerir a dicionarização de expressões locais, o poeta expressa uma concepção de língua que