Ainda daquela vez pude constatar a bizarrice dos
costumes que constituíam as leis mais ou menos constantes
do seu mundo: ao me aproximar, verifiquei que o
Sr. Timóteo, gordo e suado, trajava um vestido de franjas
e lantejoulas que pertencera a sua mãe. O corpete
descia-lhe excessivamente justo na cintura, e aqui
e ali rebentava através da costura um pouco da carne
aprisionada, esgarçando a fazenda e tornando o prazer de
vestir-se daquele modo uma autêntica espécie de suplício.
Movia-se ele com lentidão, meneando todas as suas franjas
e abanando-se vigorosamente com um desses leques de
madeira de sândalo, o que o envolvia numa enjoativa onda
de perfume. Não sei direito o que colocara sobre a cabeça,
assemelhava-se mais a um turbante ou a um chapéu
sem abas de onde saíam vigorosas mechas de cabelos
alourados. Como era costume seu também, trazia o rosto
pintado — e para isto, bem como para suas vestimentas,
apoderara-se de todo o guarda-roupa deixado por sua mãe,
também em sua época famosa pela extravagância com que
se vestia — o que sem dúvida fazia sobressair-lhe o nariz
enorme, tão característico da família Meneses.
CARDOSO, L. Crônica da casa assassinada . São Paulo: Círculo do Livro, s.d.
Pela voz de uma empregada da casa, a descrição
de um dos membros da família exemplifica a renovação
da ficção urbana nos anos 1950, aqui observada na
✂️ a) opção por termos e expressões de sentido ambíguo. ✂️ b) crítica social inspirada pelo convívio com os patrões. ✂️ c) descrição impressionista do fetiche do personagem. ✂️ d) presença de um foco narrativo de caráter impreciso. ✂️ e) ambiência de mistério das relações entre familiares.