Passado muito tempo, resolvi tentar falar, porque
estava sozinha me embrenhando na mesma vereda que
Donana costumava entrar. Ainda recordo da palavra que
escolhi: arado. Me deleitava vendo meu pai conduzindo
o arado velho da fazenda carregado pelo boi, rasgando
a terra para depois lançar grãos de arroz em torrões
marrons e vermelhos revolvidos. Gostava do som redondo,
fácil e ruidoso que tinha ao ser enunciado. “Vou trabalhar no
arado.” “Vou arar a terra.” “Seria bom ter um arado novo,
esse arado tá troncho e velho.” O som que deixou minha
boca era uma aberração, uma desordem, como se no
lugar do pedaço perdido da língua tivesse um ovo quente.
Era um arado torto, deformado, que penetrava a terra de
tal forma a deixá-la infértil, destruída, dilacerada.
VIEIRA JR., I. Torto arado. São Paulo: Todavia, 2019.
Com a perda de parte da língua na infância, a narradora
tenta voltar a falar. Essa tentativa revela uma experiência que
✂️ a) reflete o olhar do pai sobre as etapas do plantio. ✂️ b) metaforiza a linguagem como ferramenta de lavoura. ✂️ c) explicita, na busca pela palavra, o medo da solidão. ✂️ d) confirma a frustração da narradora com relação à terra. ✂️ e) sugere, na ausência da linguagem, a estagnação do
tempo.