Atenção: Para responder à questão, baseie-se no texto seguinte.
[Poetas moços e velhos poetas]
Hoje vos entreterei, caros leitores, com certo aspecto da vida literária. Aqueles que fazem versos e já atingiram a idade madura costumam receber pedidos de outros que também fazem mas estão na casa dos vinte. Parece que é esse um dos prêmios (muito discutíveis) de envelhecer: ser solicitado pelos mais novos a dar opinião sobre os vagidos do talento.
A coisa se dá assim: o moço apresenta-se confiante, munido de seus versos; o "mestre'' responde benévolo, paciente, minucioso, interessado em pormenores biográficos, ocultando sua vaidade sob um verniz de simpatia: "Escreva sempre, meu filho''. A isto se chama vida literária.
Sendo a literatura fenômeno socializante por excelência, contudo permanece fenômeno individual quanto à produção. E eu vos pergunto: pode a experiência do mais idoso servir à hesitação do jovem, dissolvê-la em certeza, encaminhá-lo a rumo certo? A vida responde a tudo isso repetindo a situação: todos os dias moços fazem consultas e todos os dias os ''maduros'' atendem com indicações, conselhos, receitas de poesia.
É certo que cinco ou dez anos depois a receita foi esquecida e o mestre com ela. Sucede também que após esse lapso de tempo o mestre seja não apenas esquecido, mas negado. Ataca-se o mestre, descobre-se que ele não o é. Na força do adulto, vinga-se o homem das debilidades do período de crescimento físico e intelectual, negando o que adorara. Os mestres da poesia não escapam a essa contingência, e ao escreverem uma ''carta ao jovem poeta'' deveriam meditar bem na escolha das palavras e no prazo de validade do sortilégio.
(Adaptado de: ANDRADE, Carlos Drummond de. Passeios na ilha. São Paulo: Cosac Naify, 2011, p. 113-114)