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Questões de Concursos Marinha

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181Q700522 | Português, Sintaxe, Oficial da Marinha Mercante Primeiro Dia, EFOMM, Marinha, 2019

Como Dizia Meu Pai


      Já se tornou hábito meu, em meio a uma conversa, preceder algum comentário por uma introdução:

      — Como dizia meu pai...

      Nem sempre me reporto a algo que ele realmente dizia, sendo apenas uma maneira coloquial de dar ênfase a alguma opinião.

      De uns tempos para cá, porém, comecei a perceber que a opinião, sem ser de caso pensado, parece de fato corresponder a alguma coisa que Seu Domingos costumava dizer. Isso significará talvez — Deus queira — que insensivelmente vou me tomando com o correr dos anos cada vez mais parecido com ele. Ou, pelo menos, me identificando com a herança espiritual que dele recebi.

      Não raro me surpreendo, antes de agir, tentando descobrir como ele agiria em semelhantes circunstâncias, repetindo uma atitude sua, até mesmo esboçando um gesto seu. Ao formular uma ideia, percebo que estou concebendo, para nortear meu pensamento, um princípio que, se não foi enunciado por ele, só pode ter sido inspirado por sua presença dentro de mim.

      — No fim tudo dá certo...

      Ainda ontem eu tranquilizava um de meus filhos com esta frase, sem reparar que repetia literalmente o que ele costumava dizer, sempre concluindo com olhar travesso:

      — Se não deu certo, é porque ainda não chegou no fim.

      Gosto de evocar a figura mansa de Seu Domingos, a quem chamávamos paizinho, a subir pausadamente a escada da varanda de nossa casa, todos os dias, ao cair da tarde, egresso do escritório situado no porão. Ou depois do jantar, sentado com minha mãe no sofá de palhinha da varanda, como namorados, trocando notícias do dia. Os filhos guardavam zelosa distância, até que ela ia aos seus afazeres e ele se punha à disposição de cada um, para ouvir nossos problemas e ajudar a resolvê-los. Finda a última audiência, passava a mão no chapéu e na bengala e saía para uma volta, um encontro eventual com algum amigo. Regressava religiosamente uma hora depois, e tendo descido a pé até o centro, subia sempre de bonde. Se acaso ainda estávamos acordados, podíamos contar com o saquinho de balas que o paizinho nunca deixava de trazer.

      Costumava se distrair realizando pequenos consertos domésticos: uma boia de descarga, a bucha de uma torneira, um fusível queimado. Dispunha para isso da necessária habilidade e de uma preciosa caixa de ferramentas em que ninguém mais podia tocar. Aprendi com ele como é indispensável, para a boa ordem da casa, ter à mão pelo menos um alicate e uma chave de fenda. Durante algum tempo andou às voltas com o velho relógio de parede que fora de seu pai, hoje me pertence e amanhã será de meu filho: estava atrasando. Depois de remexer durante vários dias em suas entranhas, deu por findo o trabalho, embora ao remontá-lo houvessem sobrado umas pecinhas, que alegou não fazerem falta. O relógio passou a funcionar sem atrasos, e as batidas a soar em horas desencontradas. Como, aliás, acontece até hoje.

      Tinha por hábito emitir um pequeno sopro de assovio, que tanto podia ser indício de paz de espírito como do esforço para controlar a perturbação diante de algum aborrecimento.

      — As coisas são como são e não como deviam ser. Ou como gostaríamos que fossem.

      Este pronunciamento se fazia ouvir em geral quando diante de uma fatalidade a que não se poderia fugir. Queria dizer que devemos nos conformar com o fato de nossa vontade não poder prevalecer sobre a vontade de Deus - embora jamais fosse assim eloquente em suas conclusões. Estas quase sempre eram, mesmo, eivadas de certo ceticismo preventivo ante as esperanças vãs:

      — O que não tem solução, solucionado está.

      E tudo que acontece é bom — talvez não chegasse ao cúmulo do otimismo de afirmar isso, como seu filho Gerson, mas não vacilava em sustentar que toda mudança é para melhor: se mudou, é porque não estava dando certo. E se quiser que mude, não podendo fazer nada para isso, espere, que mudará por si.

      [...] 

      Tudo isso que de uns tempos para cá me vem ocorrendo, às vezes inconscientemente, como legado de meu pai, teve seu coroamento há poucos dias, quando eu ia caminhando distraído pela praia. Revirava na cabeça, não sei a que propósito, uma frase ouvida desde a infância e que fazia parte de sua filosofia: não se deve aumentar a aflição dos aflitos. Esta máxima me conduziu a outra, enunciada por Carlos Drummond de Andrade no filme que fiz sobre ele, a qual certamente Seu Domingos perfilharia: não devemos exigir das pessoas mais do que elas podem dar. De repente fui fulminado por uma verdade tão absoluta que tive de parar, completamente zonzo, fechando os olhos para entender melhor. No entanto era uma verdade evangélica, de clareza cintilante como um raio de sol, cheguei a fazer uma vênia de gratidão a Seu Domingos por me havê-la enviado:

      — Só há um meio de resolver qualquer problema nosso: é resolver primeiro o do outro.

      Com o tempo, a cidade foi tomando conhecimento do seu bom senso, da experiência adquirida ao longo de uma vida sem maiores ambições: Seu Domingos, além de representante de umas firmas inglesas, era procurador de partes — solene designação para uma atividade que hoje talvez fosse referida como a de um despachante. A princípio os amigos, conhecidos, e depois até desconhecidos passaram a procurá-lo para ouvir um conselho ou receber dele uma orientação. Era de se ver a romaria no seu escritório todas as manhãs: um funcionário que dera desfalque, uma mulher abandonada pelo marido, um pai agoniado com problemas do filho — era gente assim que vinha buscar com ele alívio para a sua dúvida, o seu medo, a sua aflição. O próprio Governador, que não o conhecia pessoalmente, certa vez o consultou através de um secretário, sobre questão administrativa que o atormentava. Não se falando nos filhos: mesmo depois de ter saído de casa, mais de uma vez tomei trem ou avião e fui colher uma palavra sua que hoje tanta falta me faz.

      Resta apenas evocá-la, como faço agora, para me servir de consolo nas horas más. No momento, ele próprio está aqui a meu lado, com o seu sorriso bom.

SABINO, Fernando. A volta por cimaIn: Obra Reunida v. III. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1996. (Texto adaptado)

Assinale a opção que contém o maior número de orações.
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182Q688409 | Geografia, Aluno 2 Dia, Colégio Naval, Marinha, 2019

Texto associado.
O espaço geográfico tem cada vez mais despertado interesses de grupos, países e empresários pela disponibilidade dos recursos naturais dispostos nos territórios. Essa cobiça exige dos países detentores de grandes riquezas cada vez mais a implementação de políticas adequadas à proteção da soberania nacional.No Brasil é crescente o debate sobre a importância da Amazônia Azul, uma imensa área do litoral medindo quase 4,5 milhões de quilômetros quadrados, o que acrescentaria ao país uma área equivalente a mais de 50% de sua extensão territorial.
Sobre as potencialidades e desafios marítimos do Brasil, assinale a opção correta.
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184Q702569 | Português, Interpretação de Textos, Aspirante 2a Dia, Escola Naval, Marinha, 2019

Texto associado.
TEXTO 1
Leia o texto abaixo e responda à questão.
Felicidade clandestina
    Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda
éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança
devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
    Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um
cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás
escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
    Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós
que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na
minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
    Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía
“As reinações de Narizinho’’, de Monteiro Lobato.
    Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas
posses. Disse-me que eu passasse peia sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
    Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me
levavam e me traziam.
    No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar.
Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.
Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu
modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes
seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
    Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à
porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse
no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração
batendo.
    E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso.
Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se
quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
    Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde,
mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob
os meus olhos espantados.
    Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar
estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa,
entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe
boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
    E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava
em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi
então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com
o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "peio tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa,
grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
    Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não
saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito.
Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
    Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas
maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o
livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A
felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em
mim. Eu era uma rainha delicada.
    Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
    Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. O Primeiro Beijo. São Paulo: Ed. Ática, 1996
TEXTO 2
Leia o texto abaixo e responda à questão.
Não, os livros não vão acabar
    Não sei se é a próxima chegada da Amazon ao Brasil ou a profecia maia do fim do mundo, mas o fato é que nunca vi tanta gente preocupada com o fim do livro. São estudantes que me escrevem motivados por pesquisas escolares, organizadores de eventos literários  que me pedem palestras, leitores que manifestam sua apreensão. Em alguns casos, percebo uma espécie perversa de prazer apocalíptico,  mas logo desaponto quem quer ver o mar pegando fogo para comer camarão cozido: é que absolutamente não acredito que o livro vai acabar.
    Tenho escrito reiteradas vezes sobre o assunto; estou, aliás, numa posição bastante confortável para fazê-lo. Gosto igualmente de livros e de tecnologia, e seria a primeira a abraçar meus dois amores reunidos num só objeto; mas embora o Kindle e os vários pads tenham o seu valor como readers, os livros em papel não estão tão próximos da extinção quanto, digamos, o tigre de Sumatra.
    Para começo de conversa, é preciso lembrar que o negócio das editoras não é vender papel, mas sim vender histórias. O papel é apenas o suporte para os seus produtos. Aos poucos, em alguns casos, ele tende a ser mesmo substituído pelos tablets. Não dou vida longa aos livros de referência em papel. Estes funcionam melhor, e podem ser mais facilmente atualizados, em forma eletrônica. O caso clássico é o da Enciclopédia Britannica, cujos editores anunciaram, no começo do ano, que a edição corrente, de 2010, seria a última impressa, marcando o fim de 244 anos de uma bela - e volumosa - história em papel.
    Embora quase todos os conjuntos de folhas impressas reunidos entre duas capas recebam o mesmo nome de livro, nem todos exercem a mesma função. Há livros e livros. Um manual técnico é um animal completamente diferente de um romance; um livro escolar não guarda nenhuma semelhança com um livro de arte; uma antologia poética e um guia de viagem são produtos que só têm em comum o fato de serem vendidos no mesmo lugar.
    Há livros que só funcionam em papel. É o caso dos livros que os povos angloparlantes denominam coffee table books, “livros de mesinha de centro” - aqueles livrões bonitos, em formato grande, cheios de ilustrações e muito incômodos de ler no colo, impossíveis de levar para a cama. Estes são objetos que se destacam pelo tamanho, pela qualidade de impressão, pela vista que fazem. Quem quer ver um livro desses num tablet? Quem quer presentear um desses em e-formato?
    Há também os grandes clássicos, os romances que todos amamos e queremos ter ao alcance da mão. Esses são aqueles livros que, em geral, lemos pela primeira vez em formato de bolso, mas aos quais nos apegamos tanto que, não raro, acabamos comprando uma segunda edição, mais bonita, para nos fazer companhia pelo resto da vida.
Isso explica as lindas edições que a Zahar, por exemplo, tem feito de obras que já encantaram várias gerações, como “Peter Pan”, “Os três mosqueteiros" ou “Vinte mil léguas submarinas”: livros lindos de se ver e de se pegar, cujo esmero físico complementa a edição caprichada. Ganhar de presente um livro desses é uma alegria que não se tem com um vale para uma compra eletrônica. Fica a dica, aliás, já que o Natal vem aí.
    Há prazeres e sensações que só tem com o papel. Gosto de perceber o tamanho de um livro à primeira vista. Um tablet pode me informar quantas páginas um volume tem, mas essa informação é abstrata. Saber que um livro tem 500 páginas ou ver que um livro tem 500 páginas são coisas diferentes. Gosto também de folhear um livro e de fazer uma espécie de leitura em diagonal antes de me decidir pela compra. Isso é impossível de fazer com ebooks.
    Sem falar, é claro, do cheiro inigualável dos livros em papel.
RÓNAI, Cora. Jornal O Globo, Economia, 12.11.2012
Assinale a opção que identifica corretamente uma ideia comum aos textos 1 e 2.
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185Q698562 | Português, Grafia das palavras, Aspirante 2a Dia, Escola Naval, Marinha, 2019

Texto associado.
TEXTO
Leia o texto abaixo e responda à questão.
Felicidade clandestina
    Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda
éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança
devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
    Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um
cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás
escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
    Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós
que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na
minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
    Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía
“As reinações de Narizinho’’, de Monteiro Lobato.
    Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas
posses. Disse-me que eu passasse peia sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
    Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me
levavam e me traziam.
    No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar.
Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.
Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu
modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes
seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
    Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à
porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse
no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração
batendo.
    E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso.
Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se
quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
    Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde,
mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob
os meus olhos espantados.
    Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar
estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa,
entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe
boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
    E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava
em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi
então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com
o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "peio tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa,
grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
    Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não
saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito.
Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
    Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas
maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o
livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A
felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em
mim. Eu era uma rainha delicada.
    Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
    Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. O Primeiro Beijo. São Paulo: Ed. Ática, 1996
Leia o trecho a seguir.
“[...] ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai" (2°§).
Em que opção o plural da forma composta ocorreria pela mesma regra aplicável à flexão de número de “cartão-postal"?
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186Q689619 | Português, Sintaxe, Aluno 2 Dia, Colégio Naval, Marinha, 2019

Texto associado.

Redes sociais: o reino encantado da intimidade de faz de conta


      Recebi, por e-mail, um convite para um evento literário. Aceitei, e logo a moça que me convidou pediu meu número de Whatsapp para agilizar algumas informações. No dia seguinte, nossa formalidade havia evoluído para emojis de coraçãozinho. No terceiro dia, eia iniciou a mensagem com um "bom dia, amiga". Quando eu fizer aniversário, acho que vou convidá-la pra festa.

      Postei no Instagram a foto de um cartaz de cinema, e uma leitora deixou um comentário no Direct. Disse que vem passando por um drama parecido como do filme; algo tão pessoal, que ela só quis contar para mim, em quem confia 100%. Como não chamá-la para a próxima ceia de Natal aqui em casa? Fotos de recém-nascidos me são enviadas por mulheres que eu nem sabia que estavam grávidas. Mando condolências pela morte do avô de alguém que mal cumprimento quando encontro num bar. Acompanho a dieta alimentar de estranhos. Fico sabendo que o amigo de uma conhecida troca, todos os dias, as fraldas de sua mãe velhinha, mas que não faria isso pelo pai, que sempre foi seco e frio com ele - e me comovo; sinto como se estivesse sentada a seu lado no sofá, enxugando suas lágrimas.

      Mas não estou sentada a seu lado no sofá e nem mesmo sei quem ele é; apenas li um comentário deixado numa postagem do Facebook, entre outras milhares de postagens diárias que não são pra mim, mas que estão ao alcance dos meus olhos. É o reino encantado das confidências instantâneas e das distâncias suprimidas: nunca fomos tão íntimos de todos.

      Pena que esse mundo fofo é de faz de conta, intimidade, pra valer, exige paciência e convivência, tudo o que, infelizmente, tornou-se sinônimo de perda de tempo. Mais vale a aproximação ilusória: as pessoas amam você, mesmo sem conhecê-la de verdade. É como disse, certa vez, o ator Daniel Dantas em entrevista à Marilia Gabriela: "Eu gostaria de ser a pessoa que meu cachorro pensa que eu sou".

      Genial. Um cachorro começa a seguir você na rua e, se você der atenção e o levar pra casa, ganha um amigo na hora. O cachorro vai achá-lo o máximo, pois a única coisa que ele quer é pertencer. Ele não está nem aí para suas fraquezas, para suas esquisitices, para a pessoa que você realmente é: basta que você o adote.

      A comparação é meio forçada, mas tem alguma relação com o que acontece nas redes. Farejamos uns aos outros, ofertamos um like e, de imediato, ganhamos um amigo que não sabe nada de profundo sobre nós, e provavelmente nunca saberá. A diferença - a favor do cachorro - é que este está realmente por perto, todos os dias, e é sensível aos nossos estados de ânimo, tornando-se íntimo a seu modo. Já alguns seres humanos seguem outros seres humanos sem que jamais venham a pertencer à vida um do outro, inaugurando uma nova intimidade: a que não existe de modo nenhum.

Martha Medeiros <https://www, revistaversar.com. br/redes-sociais-inttmÍdade/> - (com adaptações)

Assinale a opção que apresenta apenas um período composto por coordenação.
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187Q694048 | Não definido, Aluno 1 Dia, Colégio Naval, Marinha, 2019

O perímetro do triângulo ABC mede x unidades. O triângulo DEF é semelhante ao triângulo ABC e sua área é 36 vezes a área do triângulo ABC. Nessas condições, é correto afirmar que 0 perímetro do triângulo DEF é igual a:
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188Q596313 | Direito Marítimo, Oficial de 2a Classe, Colégio Naval, Marinha

De acordo com as Normas da Autoridade Marítima Brasileira para Embarcações Empregadas na Navegação Interior, quantas boias salva-vidas uma embarcação não SOLAS, utilizada na navegação interior e de comprimento total igual a 50 metros, deve dotar?
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189Q702397 | Física, Oficial da Marinha Mercante Segundo Dia, EFOMM, Marinha, 2019

Um circuito muito veloz da Fórmula 1 é o GP de Monza, onde grande parte do circuito é percorrida com velocidade acima dos 300 km/h. O campeão em 2018 dessa corrida foi Lewis Hamilton com sua Mercedes V6 Turbo Híbrido, levando um tempo total de 1h 16m 54s, para percorrer as 53 voltas do circuito que tem 5,79 km de extensão. A corrida é finalizada quando uma das duas situações ocorre antes: ou o número estipulado de voltas é alcançado, ou a duração da corrida chega a 2 horas. Suponha que o regulamento seja alterado, e agora a corrida é finalizada apenas pelo tempo de prova. Considere ainda que Hamilton tenha mantido a velocidade escalar média. Quantas voltas a mais o piloto completará até que a prova seja finalizada pelo tempo?
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190Q705089 | Português, Praça de 2° Classe, Colégio Naval, Marinha, 2019

Assinale a opção que apresenta a correta classificação da oração subordinada destacada em: "Mesmo que ele
entregue os relatórios, ele será demitido."
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191Q699978 | Física, Primeiro Tenente Para todas as Engenharias, CEM Marinha, Marinha, 2019

Sobre uma plataforma cilíndrica de raio R com altura H em relação ao solo constrói-se um tanque cilíndrico com mesmo raio R e altura 3/7. Esse tanque está totalmente cheio de água e em sua lateral faz-se um pequeno orifício circular situado a uma distância h do topo do tanque, por onde a água escapa atingindo o solo em um ponto A. Admitindo que a única força que age no sistema é a força da gravidade, suposta constante no local, assinale a opção que expressa o valor de h para o qual o ponto A esteja o mais distante possível do cilindro.
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192Q690941 | Odontologia, Primeiro Tenente Radiologia, CSM, Marinha, 2019

Segundo White e Pharoah (2015), sobre a Articulação Temporomandibular (ATM), marque a opção correta.
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193Q596995 | Direito Marítimo, Oficial de 2a Classe, Colégio Naval, Marinha

De acordo com as Normas da Autoridade Marítima Brasileira para as Atividades de Inspeção Naval, que atividade efetua a fiscalização dos requisitos legais de segurança em embarcações de bandeira estrangeira que chegam a seus portos, em conformidade com as orientações adotadas pelo Acordo de Viha dei Mar, do qual o Brasil faz parte?
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194Q681287 | Arquitetura, Primeiro Tenente Arquitetura e Urbanismo, CEM Marinha, Marinha, 2019

Os sistemas de aquecimento, ventilação e climatização estão evoluindo na maioria dos aspectos relacionados ao controle de sua operação, bem como no seu desempenho, reduzindo o consumo de energia. A eficiência desses sistemas é medida por meio do coeficiente de desempenho (COP), e no caso dos sistemas de climatização também pela vazão de ar de renovação (Vef). Essa vazão, dada em L/s, depende do número:
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195Q692141 | Português, Interpretação de Textos, Aluno 2 Dia, Colégio Naval, Marinha, 2019

Texto associado.

Redes sociais: o reino encantado da intimidade de faz de conta


      Recebi, por e-mail, um convite para um evento literário. Aceitei, e logo a moça que me convidou pediu meu número de Whatsapp para agilizar algumas informações. No dia seguinte, nossa formalidade havia evoluído para emojis de coraçãozinho. No terceiro dia, eia iniciou a mensagem com um "bom dia, amiga". Quando eu fizer aniversário, acho que vou convidá-la pra festa.

      Postei no Instagram a foto de um cartaz de cinema, e uma leitora deixou um comentário no Direct. Disse que vem passando por um drama parecido como do filme; algo tão pessoal, que ela só quis contar para mim, em quem confia 100%. Como não chamá-la para a próxima ceia de Natal aqui em casa? Fotos de recém-nascidos me são enviadas por mulheres que eu nem sabia que estavam grávidas. Mando condolências pela morte do avô de alguém que mal cumprimento quando encontro num bar. Acompanho a dieta alimentar de estranhos. Fico sabendo que o amigo de uma conhecida troca, todos os dias, as fraldas de sua mãe velhinha, mas que não faria isso pelo pai, que sempre foi seco e frio com ele - e me comovo; sinto como se estivesse sentada a seu lado no sofá, enxugando suas lágrimas.

      Mas não estou sentada a seu lado no sofá e nem mesmo sei quem ele é; apenas li um comentário deixado numa postagem do Facebook, entre outras milhares de postagens diárias que não são pra mim, mas que estão ao alcance dos meus olhos. É o reino encantado das confidências instantâneas e das distâncias suprimidas: nunca fomos tão íntimos de todos.

      Pena que esse mundo fofo é de faz de conta, intimidade, pra valer, exige paciência e convivência, tudo o que, infelizmente, tornou-se sinônimo de perda de tempo. Mais vale a aproximação ilusória: as pessoas amam você, mesmo sem conhecê-la de verdade. É como disse, certa vez, o ator Daniel Dantas em entrevista à Marilia Gabriela: "Eu gostaria de ser a pessoa que meu cachorro pensa que eu sou".

      Genial. Um cachorro começa a seguir você na rua e, se você der atenção e o levar pra casa, ganha um amigo na hora. O cachorro vai achá-lo o máximo, pois a única coisa que ele quer é pertencer. Ele não está nem aí para suas fraquezas, para suas esquisitices, para a pessoa que você realmente é: basta que você o adote.

      A comparação é meio forçada, mas tem alguma relação com o que acontece nas redes. Farejamos uns aos outros, ofertamos um like e, de imediato, ganhamos um amigo que não sabe nada de profundo sobre nós, e provavelmente nunca saberá. A diferença - a favor do cachorro - é que este está realmente por perto, todos os dias, e é sensível aos nossos estados de ânimo, tornando-se íntimo a seu modo. Já alguns seres humanos seguem outros seres humanos sem que jamais venham a pertencer à vida um do outro, inaugurando uma nova intimidade: a que não existe de modo nenhum.

Martha Medeiros <https://www, revistaversar.com. br/redes-sociais-inttmÍdade/> - (com adaptações)

Assinale a opção na qual o fragmento "Mas não estou sentada a seu lado no sofá e nem mesmo sei quem ele é, apenas li um comentário deixado numa postagem do Facebook, entre outras milhares de postagens diárias que não são pra mim, mas que estão ao alcance dos meus olhos. “ (4°§) foi reescrito mantendo a ideia original.
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196Q702175 | Matemática, Limites e Derivadas, Primeiro Tenente Para todas as Engenharias, CEM Marinha, Marinha, 2019

Os campos F : R2 ? R2 e G : R2 ? R2 têm derivadas parciais contínuas em todo o plano e, para toda curva fechada, simples, derivável e percorrida no sentido anti-horário y :[0,1] ? R2, tem-se ?y F. dr = ?y G .dr. Nessas condições, é correto afirmar que:
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197Q596152 | História, Oficial de 2a Classe, Colégio Naval, Marinha

0 primeiro conflito internacional que o Brasil participou após sua Independência foi a Guerra da Cisplatina (1825-1828) . A respeito dessa guerra, é correto afirmar que
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198Q701920 | Português, Interpretação de Textos, Aspirante 2a Dia, Escola Naval, Marinha, 2019

Texto associado.
TEXTO
Leia o texto abaixo e responda à questão.
Felicidade clandestina
    Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda
éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança
devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
    Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um
cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás
escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
    Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós
que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na
minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
    Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía
“As reinações de Narizinho’’, de Monteiro Lobato.
    Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas
posses. Disse-me que eu passasse peia sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
    Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me
levavam e me traziam.
    No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar.
Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo.
Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu
modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes
seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez.
    Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à
porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse
no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração
batendo.
    E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso.
Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se
quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
    Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde,
mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob
os meus olhos espantados.
    Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar
estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa,
entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe
boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
    E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava
em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi
então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com
o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "peio tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa,
grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
    Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não
saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito.
Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
    Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas
maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o
livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A
felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em
mim. Eu era uma rainha delicada.
    Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
    Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. O Primeiro Beijo. São Paulo: Ed. Ática, 1996
Leia o trecho abaixo.
“Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo." <3°§)
Que figura de linguagem foi utilizada no trecho transcrito?
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199Q687201 | Psicologia, Primeiro Tenente Psicologia, Quadro Técnico, Marinha, 2019

Segundo Spector (2005), muitas empresas possuem regras de como demonstrar emoções, exigindo expressões positivas como sorrir para os clientes e parecer estar se divertindo com o trabalho. Assim, a expressão exigida de determinadas emoções no trabalho, que pode ter tanto efeitos positivos como negativos sobre os funcionários, é chamada pelo autor de:
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200Q682366 | Programação, Primeiro Tenente Informática, Quadro Técnico, Marinha, 2019

Sobre a Linguagem de Esquema XML, assinale a opção INCORRETA.
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