Atenção: Considere o texto abaixo para responder às questões
de números 9 a 13.
Não surpreende que, em todo lugar, esteja em curso
uma corrosão do sono, dada a dimensão do que está economicamente
em jogo.
Já em meados do século XVII, a incompatibilidade do
sono com noções modernas de produtividade passou a ser notada.
Descartes, Hume e Locke foram apenas alguns dos filósofos
que apontavam para a sua irrelevância na busca do
conhecimento.
Última das "barreiras naturais", para usar a expressão de
Marx, à completa realização do capitalismo "24 horas", o sono
não pode ser eliminado. Mas pode ser arruinado e despojado, e
existem métodos e motivações para destruí-lo.
Pesquisas recentes mostram que cresce exponencialmente
o número de pessoas que acordam uma ou mais vezes
durante a noite para verificar mensagens ou informações. Uma
figura de linguagem recorrente e aparentemente inócua é o
sleep mode [modo de hibernação], inspirada nas máquinas. A
ideia de um aparelho em modo de consumo reduzido e de
prontidão transforma o sentido mais amplo do sono em mera
condição adiada ou diminuída de operacionalidade.
O dano ao sono é inseparável do atual desmantelamento
da proteção social em outras esferas. Estado mais privado e
vulnerável de todos, o sono depende crucialmente da sociedade
para se sustentar. Um dos exemplos vívidos da insegurança do
estado de natureza no Leviatã de Thomas Hobbes é a vulnerabilidade
de um indivíduo adormecido diante dos inúmeros
perigos de cada noite. Assim, uma obrigação rudimentar dos
membros da comunidade é oferecer segurança para os que
dormem, não apenas contra perigos reais, mas ? igualmente
importante ? contra a ansiedade e temores que geram.
Diversos pressupostos fundamentais a respeito da
coesão das relações sociais se aglutinam em torno da questão
do sono ? na reciprocidade entre vulnerabilidade e confiança,
entre exposição e proteção.
(Adaptado de: Revista Piauí. Ed. 96, 09/14)