O fio do tempo na tessitura do poder simbólico: passado,
presente e futuro na efeméride dos 190 anos do
Parlamento brasileiro
Por Antonio Teixeira de Barros
1 A análise da cerimônia mostra que o cotidiano
legislativo, marcado pelas operações críticas situadas em
contextos bem demarcados de contradição hermenêutica e
4 de disputas de poder, dá lugar a um momentâneo ritual de
consenso simbólico que aponta para a glorificação e a honra
do parlamento como instituição. As diferentes ordens de
7 economia da grandeza política são unificadas em um único
esquema de fluência discursiva, portador de um valor
universal, um capital simbólico ecumênico e sacramental.
10 Todos formam um só corpo político e abdicam algum tempo
das disputas inter e intrapoderes, além dos conflitos e
tensões entre partidos, lideranças, facções etc.
13 A necessidade de inimigos, um imperativo na política
(BAILEY, 1998), é suplantada em nome de um interesse
momentaneamente unificado sob os símbolos e rituais de
16 agregação e cooperação moral. Durante a cerimônia, a
política deixa de ser um jogo de antagonismos no qual se
procura reforçar o prestígio e a honra dos aliados e combater
19 a reputação dos inimigos. Todos se unem em um campo
simbólico de aliança perante a opinião pública. A pulsão
narcísica que constrói heróis individuais é substituída pela
22 pulsão cívica e um engajamento retórico republicano em
defesa do Parlamento, da Política e da Democracia, no plano
mais abstrato e distante dos antagonismos e dos jogos de
25 competição por poder, reputação, honra, reconhecimento
público e visibilidade. Em vez de demarcação de
identidades partidárias e discursos dialéticos típicos da
28 política de reputação (BAILEY, 1998), passamos a
presenciar uma estetização do narcisismo institucional que
busca um ordenamento de perspectivas e um consenso que
31 coloca o simbólico acima do político. A democracia liberal
com sua lógica concorrencial e assimétrica adquire sentido
republicano, por meio dos discursos transformados em
34 interações-rituais que unificam o corpo político e recriam
sua autoimagem, tecida com discursos de justificação
articulados pela ordem simbólica.
37 O ritual ecumênico em termos partidários agrega os
diferentes e une os “inimigos” em um mesmo espírito de
confraternização, um espírito republicano abstrato que
40 nunca consegue se materializar no plano objetivo dos
campos conflituosos da democracia liberal. Sai de cena a
representação teatral calcada nas metáforas de guerra e
43 adotam-se metonímias de comunhão, à guisa de uma
44 eucaristia política.
Disponível em: .
Acesso em: 11 nov. 2018, com adaptações.