A Terceira Margem do Rio (trecho)
Meu pai era homem cumpridor, ordeiro, positivo. Um dia, sem que ninguém soubesse por quê, mandou fazer uma canoa. Canoa feita, desceu ao rio e nela entrou, remando para o meio. E não voltou mais. Ficou ali, no meio do rio, morando na canoa.
A gente, primeiro, pensou que ele ia e voltava. Mas não. Ele ficava lá, no meio do rio, sem se afastar nem se aproximar da margem.
Minha mãe chorava, rezava. Nós, filhos, ficávamos sem saber o que fazer. O povo da redondeza vinha ver, comentar, dar conselho. Mas meu pai não saía da canoa.
Passaram-se anos. Meu pai envelheceu na canoa. Nós crescemos, casamos, tivemos filhos. E ele lá, sempre no meio do rio, sem dizer palavra, sem dar sinal.
(João Guimarães Rosa, in Primeiras Estórias, 1962; adaptado)