Negociações com EUA (e Rússia) para paz na Ucrânia impõem desafios a Zelensky
Prestes a obter um cessar-fogo, após três anos de guerra, ucraniano precisa se equilibrar entre a pressão por concessões de Trump e a necessidade de uma saída honrosa
Por Filipe Barini
A proposta para um cessar-fogo temporário na Ucrânia, apresentado pelos EUA e válido por 30 dias, foi um dos passos mais importantes para encerrar um conflito que, ao longo de três anos, deixou centenas de milhares de mortos e causou uma ampla devastação em solo ucraniano. Kiev deu seu aval após uma reunião com representantes americanos na Arábia Saudita, mas falta combinar com os russos, que dizem "não descartar" contatos com Washington "nos próximos dias".
Mas o anúncio deixou evidente a posição delicada do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. Ele está sob pressão da Casa Branca para fazer concessões territoriais e econômicas, da Rússia, com suas bombas e avanços militares, e dos próprios ucranianos, que não querem uma paz a qualquer custo. Sua margem de ação é cada vez mais estreita.
Nas conversas em Jedá, a proposta de cessar-fogo que prevaleceu não era exatamente a que queria Zelensky: antes do encontro, ele defendia uma pausa nos combates por ar e por mar, citando os ataques contra instalações energéticas, enquanto condicionava a suspensão das operações terrestres a garantias de segurança de seus aliados ocidentais.
Em declarações na véspera, afirmou que um cessar-fogo total e sem garantias daria tempo ao Kremlin para “curar os feridos, recrutar infantaria da Coreia do Norte e recomeçar esta guerra”. Ao final, foi voto vencido e apoiou uma pausa completa e válida por 30 dias, a partir da concordância dos russos. Por outro lado, obteve a retomada da ajuda militar e de inteligência dos EUA e avançou nas discussões sobre um acordo que abre caminho para os americanos explorarem os recursos minerais do país.
Apesar dos apertos de mãos e sorrisos, Zelensky sabe que a relação com a Casa Brancanão será exatamente um conto de fadas como os resgatados por Alexander Afanasyev no século XIX. Desde seu retorno ao poder, o presidente Donald Trump sinaliza que vê em Moscou, não em Kiev ou Bruxelas, o caminho preferencial para resolver a guerra.
As críticas a Zelensky são recorrentes e já incluíram comentários sugerindo sua renúncia e zombando de sua popularidade (Trump usou um número falso, 4%, quando na verdade o apoio era superior a 50%). No final de fevereiro, os dois bateram boca no Salão Oval, no dia em que deveria ser assinado um acordo sobre o acesso aos minerais. Em seguida, Trump suspendeu a ajuda militar e o acesso ucraniano à inteligência americana, uma decisão derrubada nesta terçafeira.
Mas os ataques, em vez de enfraquecerem Zelensky, lhe deram um impulso no momento ideal. A falta de soluções para o conflito, disputas internas e questões sobre sua legitimidade — seu mandato terminou em maio do ano passado, mas a lei marcial em vigor impede novas eleições — tinham levado sua popularidade, em dezembro, ao nível mais baixo desde a invasão. Após a discussão, houve um salto nos índices de aprovação e nas declarações de apoio interno.
Mesmo entre seus rivais, o discurso era um só: os arroubos do republicano não eram apenas contra alguém cujo primeiro cargo público foi o de presidente de um país que enfrentou uma pandemia e uma guerra, mas sim contra toda a Ucrânia.
— Algumas pessoas esperavam que eu criticasse Zelensky — disse Petro Poroshenko, expresidente, rival de Zelensky na eleição de 2019 e um crítico mordaz do atual governo. — Mas não, não haverá críticas, porque não é disso que o país precisa agora.
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