Eu te gosto, você me gosta
 desde tempos imemoriais.
 Eu era grego, você troiana,
 troiana mas não Helena.
 Saí do cavalo de pau
 para matar seu irmão.
 Matei, brigamos, morremos.
 Virei soldado romano,
 perseguidor de cristãos.
 Na porta da catacumba
 encontrei-te novamente.
 Mas quando vi você nua
 caída na areia do circo
 e o leão que vinha vindo,
 dei um pulo desesperado
 e o leão comeu nós dois.
 Depois fui pirata mouro,
 flagelo da Tripolitânia.
 Toquei fogo na fragata
 onde você se escondia
 da fúria de meu bergantim.
 Mas quando ia te pegar
 e te fazer minha escrava,
 você fez o sinal-da-cruz
 e rasgou o peito a punhal...
 Me suicidei também.
 Depois (tempos mais amenos)
 fui cortesão de Versailles,
 espirituoso e devasso.
 Você cismou de ser freira...
 Pulei muro de convento
 mas complicações políticas
 nos levaram à guilhotina.
 Hoje sou moço moderno,
 remo, pulo, danço, boxo,
 tenho dinheiro no banco.
 Você é uma loura notável,
 boxa, dança, pula, rema.
 Seu pai é que não faz gosto.
 Mas depois de mil peripécias,
 eu, herói da Paramount*,
 te abraço, beijo e casamos.
 
 *Importante estúdio de cinema
 
 (Carlos Drummond de Andrade. Alguma Poesia.
  Rio de Janeiro: Record, 2007