Guerra na televisão
O cinismo é uma das armas dos humoristas. No dia em que começou a invasão do Iraque, um deles escreveu em sua coluna de jornal que ia comprar um balde de pipocas, sintonizar a TV num canal internacional e esticar as pernas no sofá. O pior é que esse tipo de cinismo não é de responsabilidade exclusiva do humorista do jornal, mas do próprio tipo de transmissão: os telespectadores se deparam não exatamente com as atrocidades da guerra, mas com uma espécie de cenário de videogame, com clarões e explosões na panorâmica noturna de uma cidade fantasmagórica. As emissoras fazem da cobertura da guerra um espetáculo para grande audiência.
Poupado das visões particularizadas dos corpos atingidos, das expressões de dor, dos inúmeros rostos dos mortos e feridos, o telespectador é induzido a uma percepção asséptica de cada bombardeio, como num combate puramente virtual. Some-se a isso o tempo que gastam os canais de TV na descrição dos armamentos, no preço de cada operação, nas estatísticas de todo tipo, nas análises dos especialistas e praticamente nada sobra de espaço para o que realmente deveria contar: a trágica experiência humana dos envolvidos.
Muitos dos próprios jornalistas sobretudo os que estão mais próximos das cenas de combate procuram desfazer essa banalização da violência com relatos realistas e dramáticos. Mas suas palavras, sendo apenas palavras, não eliminam o efeito das imagens "higienizadas" da guerra, captadas por câmeras fixas, acionadas por controle remoto. Não é estranho que nos filmes de ficção mais violentos se exibam os detalhes mais miúdos e sórdidos, ao passo que no telejornalismo a barbárie ganha o aspecto aceitável de uma grande cena ficcional?
(Severiano Linhares, inédito)