Texto associado. Texto I
Para sempre
Você eu não sei, mas o meu plano é viver para
sempre. Reconheço que o sucesso do plano não depende
só de mim, mas tenho feito a minha parte. Cortei o pudim
de laranja, dirijo com cuidado, procuro não provocar
impulsos assassinos nos leitores além do necessário para
me manter honesto, não vôo de ultraleve e não assovio
para mulher de delegado. Está certo, o único exercício
físico que faço é soprar o saxofone, e assim mesmo não
todas as notas, mas acho que estou contribuindo
razoavelmente para a minha própria eternidade.
E sempre que leio sobre experiências como essa da
célula-mãe com a qual, um dia, construirão artérias novas
para a gente por encomenda, fico reconfortado: a ciência
também está fazendo a sua parte no meu plano. Já
calculei que, se conseguir agüentar por mais 65 anos,
poderei ser refeito em laboratório dos pés à cabeça. Incluindo
o tecido erétil. Onde será que a gente se inscreve?
A vida eterna nos trará problemas, no entanto, e
não vamos nem falar no pesadelo que será para os sistemas
previdenciários. A finitude sempre foi uma angústia
humana, mas também um consolo, pois nos desobriga
de entender a razão da existência. A idéia religiosa da
vida depois da morte é duplamente atraente porque nos
dá a eternidade sem a perplexidade, já que é difícil imaginar
que as indagações metafísicas continuarão do outro
lado. Lá, estaremos na presença do Pai, reintegrados
numa situação familiar de idílica inocência, definida como
a desnecessidade de maiores explicações. Não teremos
de especular sobre como tudo isto vai acabar porque tudo
isto nunca vai acabar. Já na eternidade sem precisar morrer
a angústia da finitude é substituída pela angústia da
incompreensão infinita. Estaremos nesta ridícula bola magnética,
com nossos tecidos renovados, olhando para as
estrelas e perguntando como e por que - para sempre.
Não interessa. Vou batalhar por mais 65. Quem
nos assegura que neurônios desenvolvidos em
laboratório não virão com todas as respostas?
VERÍSSIMO, Luís Fernando. O Globo. Rio de Janeiro, 27 nov. 2001.
Nas orações a seguir, a que, sintaticamente, "DIFERE" das
demais é
a) “...que neurônios desenvolvidos em laboratório não
virão com todas as respostas?” (l. 36-37).
b) “...que as indagações metafísicas continuarão do outro
lado.” (l. 25-26).
c) “...que, (...) poderei ser refeito em laboratório dos pés
à cabeça.” (l. 15-16).
d) “...que estou contribuindo razoavelmente para a minha
própria eternidade.” (l. 9-10).
e) “...que o sucesso do plano não depende só de mim,”
(l. 2-3).