Os motoristas que circulam nas grandes cidades
brasileiras costumam se colocar na posição de sentinela prestes
a enfrentar o inimigo. Qualquer comportamento considerado
inadequado de outro motorista é motivo para o sangue subir à
cabeça ? e para o destempero que se traduz em buzinadas
impacientes, fechadas, palavras e gestos ofensivos. Muitas vezes
o motorista considera intolerável uma pequena infração que ele
próprio costuma cometer. Eu posso, mas os outros não podem, é
o argumento ? quase sempre inconsciente ? nesses casos. Por
trás da selva em que se transformou o trânsito repousa uma
questão intrigante. A maioria dos motoristas só se comporta de
forma agressiva quando está no carro. Fora dele, são pessoas de
temperamento moderado. Por que, então, perdem a compostura
e se tornam feras ao volante? As explicações mais comuns para
essa mudança de atitude dizem respeito à irritação causada por
congestionamentos cada vez mais frequentes, à pressa e ao
estresse da vida moderna. Esses componentes certamente fazem
parte da fúria motorizada, mas não são suficientes para justificá-
la. Segundo estudiosos do comportamento humano, há outras
forças que contribuem para a agressividade no trânsito. As
normas de civilidade são mais frouxas no trânsito porque, dentro
do carro, quem está ao volante se torna anônimo e tem a sensação
de que jamais vai cruzar novamente com os motoristas que
encontra nas ruas. Sob o anonimato, certas noções que formam a
base da convivência humana se enfraquecem. O contato com
olhos nos olhos, fator que sabidamente aumenta a chance de
cooperação entre pessoas, é inexistente. Como resultado, atitudes
intoleráveis na maioria das interações sociais, como a agressão
verbal e o revide a ela, são praticadas com maior liberdade. Para
explicar esse comportamento, o psicólogo canadense David
Wiesenthal, da Universidade York, em Toronto, faz uma analogia
com a sala de aula de uma escola infantil. Quando a professora
apaga a luz para passar um filme, os alunos começam a fazer mais
barulho, pois sabem que será mais difícil identificá-los no escuro.
?O anonimato protege os motoristas das consequências negativas
de suas infrações", disse o psicólogo.
Renata Moraes. Motoristas movidos a fúria. In: Veja,
ano 42, n.º 17, 29/4/2009 (com adaptações).
Julgue os itens a seguir, relativos às ideias do texto acima