Texto III
Beira-mar
Quase fim de longa tarde de verão. Beira do mar
no Aterro do Flamengo próximo ao Morro da Viúva,
frente para o Pão de Açúcar. Com preguiça, o sol co-
meçava a esconder-se atrás dos edifícios. Parecia re-
5 sistir ao chamado da noite. Nas pedras do quebra-mar
caniços de pesca moviam-se devagar, ao lento vai e
vem do calmo mar de verão. Cercados por quatro ou
cinco pescadores de trajes simples ou ordinários, e
toscas sandálias de dedo.
10 Bermuda bege de fino brim, tênis e camisa polo
de marcas célebres, Ricardo deixara o carro em es-
tacionamento de restaurante nas imediações. Nunca
fisgara peixe ali. Olhado com desconfiança. Intruso.
Bolsa a tiracolo, balde e vara de dois metros na mão.
15 A boa técnica ensina que o caniço deve ter no máxi-
mo dois metros e oitenta centímetros para a chamada
pesca de molhes, nome sofisticado para quebra-mar.
Ponta de agulha metálica para transmitir à mão do
pescador maior sensibilidade à fisgada do peixe. É
20 preciso conhecimento de juiz para enganar peixes.
A uma dezena de metros, olhos curiosos viam o
intruso montar o caniço. Abriu a bolsa de utensílios.
Entre vários rolos de linha, selecionou os de espes-
sura entre quinze e dezoito centésimos de milímetro,
25 ainda fiel à boa técnica.
— Na nossa profissão vivemos sempre preocu-
pados e tensos: abertura do mercado, sobe e desce
das cotações, situação financeira de cada país mun-
do afora. Poucas coisas na vida relaxam mais do que
30 pescaria, cheiro de mar trazido pela brisa, e a paisa-
gem marítima — costuma confessar Ricardo na roda
dos colegas da financeira onde trabalha.
LOPES, L. Nós do Brasil. Rio de Janeiro: Ponteio, 2015, p.
101. Adaptado.