Texto associado. Se o tempo fosse meu e eu dele pudesse dispor livremente,
esta crônica seria escrita em São Paulo, onde o cronista
estaria a esta hora visitando a Exposição de Animais, que lá se
inaugurou anteontem. Mas quem é senhor do tempo? Ele é que
é senhor de todos nós e de toda a nossa vida. Quanta coisa
agradável e útil se deixa de fazer por falta de tempo! por falta de
tempo, há muita gente que morre velha ... sem nunca ter vivido.
Lamento não poder ir a São Paulo. Uma Exposição de
Animais é um dos espetáculos mais divertidos e úteis que ao
homem é dado apreciar nesta curta e aborrecida existência. O
homem só pode verdadeiramente compreender quanto deve
aos animais, quando assim os vê reunidos, muitos e variados,
de diversas famílias e gêneros, numa exposição ou num Jardim
Zoológico.
Não se compreende uma grande cidade sem um desses
viveiros onde, entre árvores e águas, vivem e se reproduzem,
tratados, alimentados e admirados por nós, os nossos companheiros
de residência na Terra.
Um Jardim Zoológico – se me pode ser permitida esta
comparação um pouco anfigúrica – é uma escola de humanidade.
Porque um viveiro de bichos, com a sua ordem, com a
sua paz, com a sua vida calma, sem ambições e sem brigas, é
como um espelho mágico, em que os homens, organizados em
sociedade, podem contemplar e admirar o que poderia ser a
sua própria vida se todos eles tivessem tanto juízo e tanta
filosofia como os bois, como os macacos, como as aves, como
todos os bichos. O que todos os habitantes de um Jardim
Zoológico ambicionam e pedem é pouco: a ração a hora certa,
água fresca, calor de sol, sombra de arvoredos, e sossego;
nesse sossego, assim que têm o estômago cheio, ficam felizes −
uns meditando e conjecturando, como os bois, que são
pensadores; outros cantando, como os pássaros, que são os
poetas; outros dormindo, como os porcos, que são epicuristas;
outros saltando e careteando, como os macacos, que são
palhaços; e todos gozando a vida a seu modo, amando quando
sentem necessidade de amar – e nunca se enfurecendo e brigando
por causa de emprego, ou de dinheiro, ou de glória.
O que se inaugurou anteontem, em São Paulo, não foi
um Jardim Zoológico: foi uma Exposição de Animais, − dos
animais que são mais úteis ao homem, e mais auxílio e dinheiro
lhe dão. Essa exposição é uma prova do esforço com que
aquele poderoso Estado está procurando restaurar e desenvolver
a sua riqueza pastoril, que a riqueza agrícola até agora
tinha quase totalmente eliminado. Idéia admirável, idéia
fecunda! Os primeiros homens, que habitaram a terra, foram
pastores. Justamente por isso, eram melhores e mais felizes do
que nós. A companhia dos animais melhora e felicita o homem.
[...]
(Olavo Bilac, Obra reunida. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996, p. 794-795)
Identifica-se no texto
a) aproximação de sentido, com base na utilidade dos animais, entre Exposição de Animais e Jardim Zoológico.
b) dificuldade de conciliação entre tempo para passear e divertir-se, e tempo de vida longa, saudável e interessante.
c) visão de uma sociedade ideal, em que os animais representam as características humanas, até mesmo as normas do convívio social.
d) igualdade econômica entre as riquezas do Estado de São Paulo, sejam elas provindas da agricultura, sejam da pecuária.
e) aceitação da impossibilidade de dispor de tempo para que se realizem determinados objetivos, como conhecer novas cidades.