LÍNGUA PORTUGUESA E REDAÇÃO OFICIAL
DIMENSÕES DA INTENSIFICAÇÃO DO TRABALHO
No cenário de reformas educacionais, as transformações socioeconômicas interferem na escola e estimulam o desenvolvimento de estratégias específi cas de gestão do trabalho. As transformações organizacionais expressam-se, como lembram Terssac e Lompré (1996), em um conjunto de regulamentos e incitações, de dispositivos explícitos e obrigações implícitas, os quais se imbricam mais ou menos harmoniosamente com as regras em vigor. Os modos de gestão da carreira centrados no indivíduo convivem com o estímulo ao trabalho coletivo, à cooperação, à descentralização e autonomia local (...). Contradições desse tipo são reguladas, por vezes, pelo trabalhador, em situação de urgência, incidindo sobre o modo operatório e degradando as condições de trabalho. Com base nos conhecimentos em ergonomia, sabe-se que, no curso da ação, o trabalhador decide sobre o modo operatório, a depender dos objetivos gerais da tarefa e daqueles objetivos que ele elabora para adaptar as suas operações ao quadro temporal e aos imprevistos que surgem derivados da variabilidade do objeto e dos processos (Theureau, 1990). Em situação de urgência (evento inesperado ou quando as tarefas se sobrepõem), o modo operatório possível é aquele mais rápido. Ora, trabalhar sob pressão temporal pode desfavorecer o desenvolvimento de estratégias de autoproteção à saúde, como buscar a postura mais confortável, permanecer sentado com o dorso apoiado, evitar abuso vocal. É possível também que o modo operatório mais rápido implique abandonar investimentos em direção à maior aproximação do aluno e das suas necessidades, denotando perda da qualidade e sensação de trabalho inacabado ou objetivo não alcançado. (...) A gestão da sala de aula é considerada dependente da expertise
pedagógica e das competências individuais e de relacionamento dos docentes, e pouca ênfase é dada às situações objetivas de trabalho. Exemplifi cando, no plano pedagógico está previsto trabalho em grupo. Contudo, a desproporção entre o número de alunos e o espaço físico gera perturbações na condução da atividade pedagógica. As ausências dos professores que foram convocados para tarefas outras na estrutura escolar, ou afastados por doença, provocam reordenamento do trabalho na escola. Os profi ssionais presentes terão de lidar com o aumento do volume de trabalho ao receberem em suas salas os alunos do colega que se ausentou. Os professores entrevistados por Silva (2007) têm a impressão de "guardar" aluno quando substituem a ausência do colega. Improvisos e criação de atividades em tempo real causam-lhes a sensação, segundo os seus dizeres, de "bombeiros para apagar incêndio" ou "gaiatos jogados na sala". Atividades dessa natureza são resultado dos improvisos dos "substitutos" no lugar do esperado ensino programático. Em realidade, na ausência do professor os alunos passam a fazer qualquer atividade para se manterem mais ou menos disciplinados dentro das escolas. Estas são situações que trazem consequências diretas para o rendimento ou aproveitamento dos alunos. Os professores convivem com a fragilidade da relação de seus alunos com o processo de aprendizagem, pois a abertura da escola a novos contingentes da população trouxe problemas inusitados. As restrições de acesso do universo familiar à cultura escolar e o consumo de produtos culturais de massa sob o signo da imagem e do som estão na base dos comportamentos alheios aos objetivos pedagógicos. Superar essa realidade é crucial para a motivação do aluno, que precisa ser convencido da importância do seu esforço para vencer as difi culdades e abrir-se para a dedicação (Barrère, 2002). (...) Resumindo, a gestão atua sobre os recursos humanos, gerando mais tarefas e exigindo um perfi l fl exível em detrimento de adequações ou de medidas facilitadoras como recursos materiais (microfones, salas de vídeo, ambiente multimeios), dimensio dimensionamentos qualitativo (habilidades e formação dos membros da equipe) e quantitativo do efetivo, projeto da sala de aula etc. Ou em outros casos, dependendo do modelo de gestão adotado pelas redes de ensino ou pelas escolas, pode resultar em práticas que bloqueiam a criatividade dos professores e interferem até mesmo na aprendizagem do aluno. Nos dizeres da professora entrevistada por Noronha (2001), há limites em sua autonomia, porque, muitas vezes, terá de trabalhar de uma forma contrária àquela mais apropriada, segundo a sua experiência com os alunos, para o nível e o estágio de aprendizagem do aluno. (Ada Ávila Assunção e Dalila Andrade Oliveira. Revista Educação & Sociedade, Campinas, v. 30, nº 107, ago. 2009)