1 No pequeno pátio de cimento depunha a sua riqueza.
2 Misturava o barro à água, as pálpebras frementes de
3 atenção — concentrada, o corpo à escuta, ela podia ob-
4 ter uma porção exata de barro e de água numa sabedo-
5 ria que nascia naquele mesmo instante, fresca e progres-
6 sivamente criada. Conseguia uma matéria clara e tenra
7 de onde se poderia modelar um mundo. [...] Assim junta-
8 ra uma procissão de coisas miúdas. Quedavam-se quase
9 despercebidas no seu quarto. Eram bonecos magrinhos
10 e altos como ela mesma. Minuciosos, ligeiramente des-
11 proporcionados, alegres, um pouco perplexos — às ve-
12 zes, subitamente, pareciam um homem coxo rindo. Mes-
13 mo suas figurinhas mais suaves tinham uma imobilidade
14 atenta como a de um santo. E pareciam inclinar-se, para
15 quem as olhava, também como os santos. Virgínia podia
16 fitá-las uma manhã inteira, que seu amor e sua surpresa
17 não diminuiriam.
LISPECTOR, Clarice. O Lustre. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p. 50-55.