INSTRUÇÃO: As questões de números 20 a 26 referem-se aos dois textos a seguir.
Leia-os antes de responder a elas.
Texto I
Seqüência
Cora Coralina
Eu era pequena. A cozinheira Lizarda tinha nos levado ao mercado, minha irmã, eu. Passava um homem com um abacate na mão e eu inconsciente: "Ome, me dá esse abacate..." O homem me entregou a fruta madura. Minha irmã, de pronto: "vou contar pra mãe que ocê pediu abacate na rua." Eu voltava trocando as pernas bambas. Meus medos, crescidos, enormes... A denúncia confirmada, o auto, a comprovação do delito. O impulso materno... conseqüência obscura da escravidão passada, o ranço dos castigos corporais. Eu, aos gritos, esperneando. O abacate esmagado, pisado, me sujando toda. Durante muitos anos minha repugnância por esta fruta trazendo a recordação permanente do castigo cruel. Sentia, sem definir, a recreação dos que ficaram de fora, assistentes, acusadores. Nada mais aprazível no tempo, do que presenciar a criança indefesa espernear numa coça de chineladas. "é pra seu bem," diziam, "doutra vez não pedi fruita na rua."
(Vintém de cobre: meias confissões de Aninha. Goiânia: Editora da Universidade Federal de Goiás, 1984, p. 131-132.)
Texto II
Suave mari magno* Machado de Assis Lembra-me que, em certo dia, Na rua, ao sol de verão, Envenenado morria Um pobre cão. Arfava, espumava e ria, De um riso espúrio e bufão, Ventre e pernas sacudia Na convulsão. Nenhum, nenhum curioso Passava, sem se deter, Silencioso, Junto ao cão que ia morrer, Como se lhe desse gozo Ver padecer.
(Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, v. 3, p. 161.)
* Expressão extraída de um texto de Lucrécio, poeta latino, a qual se refere à agradável sensação experimentada por alguns que, estando em terra firme, assistem a tempestades e naufrágios.