Texto CG1A1-I
1 “Família, família/ vive junto todo dia/ nunca perde
essa mania” — os versos da canção Família, composta por
Arnaldo Antunes e Tony Belotto na década de 80 do século
4 passado, no Brasil, parece que já não traduzem mais a
realidade dos arranjos familiares. Observa-se que a solidez dos
lugares ocupados por cada uma das pessoas, nos moldes da
7 família nuclear, não se adéqua à realidade social do momento,
em que as relações são caracterizadas por sua dinamicidade e
pluralidade. De acordo com o médico e psicanalista Jurandir
10 Freire Costa, “família nem é mais um modo de transmissão do
patrimônio material; nem de perpetuação de nomes de
linhagens; nem da tradição moral ou religiosa; tampouco é
13 a instituição que garante a estabilidade do lugar em que são
educadas as crianças”.
Então, o que é a família? Como defini-la,
16 considerando-se que uma de suas marcas na pós-modernidade
é justamente a falta de definição? Para a cientista social e
política Elizabete Dória Bilac, a variabilidade histórica da
19 instituição família desafia qualquer conceito geral de família.
A centralidade assumida pelos interesses individuais
no mundo contemporâneo é um dos aspectos que influenciam
22 a singularidade de cada família e distinguem os propósitos que
justificam a escolha de duas pessoas ou mais viverem juntas,
compartilhando regras, necessidades e obrigações. Se não é
25 fácil definir a família, é legítimo o esforço de tentar decifrar
quem é o homem pós-moderno e quais as necessidades
emergentes que o impulsionam ao encontro com o outro, seja
28 no espaço social, seja no interior da família, produzindo
significados e razões que o lançam na busca de realização.
Segundo o filósofo francês Dany-Robert Dufour, a
31 pós-modernidade produz um sujeito não engendrado, o que
significa um sujeito que se vê na posição de não dever mais
nada à geração precedente. Trata-se de uma condição que
34 comporta riscos, pois, segundo Dufour, desaparece o motivo
geracional. No que tange à família, a consequência é o
surgimento de relações pautadas em trocas reais e carentes de
37 valores simbólicos que se contraponham à lógica do consumo.
Assim, assiste-se a uma ruptura na ordem da transmissão, o que
gera indivíduos desprovidos de identidade sólida, condição esta
40 que acarreta a redução de sua capacidade crítica e dificulta o
estabelecimento de compromisso com a causa que lhe precede.
Fernanda Simplício Cardoso e Leila Maria Torraca de Brito. Reflexões sobre a paternidade na pós-modernidade. Internet:<www.newpsi.bvs-psi.org.br> (com adaptações).