“Vamos meter o pé”
Por Leandro Prazeres e João da Mata
Odila tem pouco mais de um metro e meio de altura e o cabelo liso e grisalho, preso para
trás. O corpo parece frágil, num contraste com as mãos, grossas e fortes da vida na roça nos
tempos da juventude. Ela diz viver com a pensão equivalente a pouco mais de um salário mínimo,
advinda da morte do marido, há 21 anos.
Ela chegou ___ cidade de Estrela há 30 anos, depois que se casou. Teve quatro filhos 🔷 o
mais novo é Elizandro, que ainda vive com ela. A casa onde criou a família levou décadas para
ficar como ela queria. “Nós tínhamos uma casinha velha, de madeira, que ganhamos da
Prefeitura. Nós fomos construindo. Juntamos uns troquinhos daqui e dali e fizemos uma parte
da casa, em alvenaria”, contou. “A gente foi botando telhado. O piso, fomos pagando em
prestações. Por último ▲foi feita uma área numa parte para fora, com churrasqueira” e, assim,
Odila ia descrevendo a casa.
O bairro Moinhos, onde a casa está localizada, era habitado, em sua maioria, por
trabalhadores de baixa renda, como Odila. ___ ruas eram, inicialmente, cobertas com
paralelepípedos, acentuando o ar bucólico do local. As casas eram cercadas por pequenos jardins
de grama verde e baixa e, nos últimos anos, a prefeitura asfaltou algumas ruas do local. Elizandro
disse ter uma relação especial com a vizinhança: “Ajudei a construir metade dessa vila”, contou
com a voz embargada. O bairro já havia sido severamente atingido pela enchente de setembro
do ano passado. Na ocasião, o Vale do Taquari também foi afetado e, no total, o Rio Grande do
Sul registrou 54 mortes. O trauma de setembro deixou os moradores da região em estado de
alerta. “A gente tem medo. O pessoal começou a dizer: ‘Á água está vindo. Á água está vindo’.
Aí eu disse 🔵 ‘Vamos meter o pé’”, relembrou Odila. Após a decisão de partir, começou outra
fase de angústia. Como sair de um lugar quando todos querem sair ao mesmo tempo?
“Quando começou a enchente, nós começamos a reunir as coisas e esperamos o caminhão.
Ligamos para os caminhões, mas não tinha mais porque eles não podiam socorrer todo mundo.
Estávamos numa aflição porque sabíamos que a água ia tomar conta”, disse ela. Com a ajuda
de vizinhos e dos filhos, Odila conseguiu reunir alguns poucos pertences e documentos e foi
levada para um abrigo improvisado. Elizandro só chegou no abrigo no dia seguinte, pois tentou
ajudar os vizinhos ___ levar móveis para os pisos superiores das casas. Não adiantou. A água
encobriu todas as casas, ele contou.
(Disponível em: www.bbc.com/portuguese/articles/cj554e3zgmyo – texto adaptado especialmente para esta prova).