Fim de livro
Há escritores que precisam de silêncio, solidão e
ambiente adequado para a prática da escrita. Se fosse esperar
por essas condições, teria demorado vinte anos para publicar
meu último livro, tempo de vida que não terei mais.
Por força da necessidade, aprendi a escrever em
qualquer lugar em que haja espaço para sentar com o
computador. Minha carreira de escritor começou com
“Estação Carandiru”, quando eu tinha 56 anos. Foi tão
grande o prazer de contar aquelas histórias, que senti ódio de
mim mesmo por ter vivido meio século sem escrever livros.
A dificuldade vinha da timidez e da autocrítica. Para mim,
o que eu escrevesse seria fatalmente comparado com
Machado de Assis, Gogol, Faulkner, Joyce, Pushkin,
Turgenev, Dante Alighieri. Depois do que disseram esses e
outros gênios, que livro valeria a pena ser escrito?
Em conversa com um estudante, Hemingway diz que ao
escritor de nossos tempos cabem duas alternativas: escrever
melhor do que os grandes mestres já falecidos, ou contar
histórias que nunca foram contadas. De fato, se eu escrevesse
melhor do que Machado de Assis, poderia recriar
personagens como Dom Casmurro ou descrever com mais
poesia o olhar de ressaca de Capitu.
Restava, então, a segunda alternativa: a vida numa
cadeia com mais de sete mil presidiários, na cidade de
São Paulo, nas últimas décadas do século XX, não poderia
ser descrita por Homero ou padre Antônio Vieira. O médico
que atendia pacientes no Carandiru havia dez anos era quem
reunia as condições para fazê-lo.
Seguindo o mesmo critério, publiquei outros livros.
Às cotoveladas, a literatura abriu espaço em minha agenda.
Há escritores talentosos que se queixam dos tormentos e da
angústia inerentes ao processo de criação. Não é o meu caso,
escrever só me traz alegria.
Dráuzio Varella, texto adaptado
As questões de 01 a 04 referem-se ao texto acima.