Texto associado. O ciclo de lobolo começou com a Ju. Foi com dinheiro e não com gado. Lobolou-se a mãe, com muito dinheiro, num lobolo- -casamento. As crianças foram legalmente reconhecidas, mas não tinham sido apresentadas aos espíritos da família. Era preciso trazê-las do teto da mãe para a sombra do patriarcal num ato de lobolo pelo filho, uma forma de legitimá-las uma vez que nasceram fora das regras de jogo de uma família polígamo. Depois fez-se lobolo da Lu e dos filhos. As nortenhas espantaram-se. Essa história de lobolo era nova para elas, mas envolve muito dinheiro. Dinheiro para os pais, elas, e os filhos. Dinheiro que faz falta para comer, para viver, para investir. Quando se trata de benesses, qualquer cultura serve. Elas esqueceram o matriarcado e disseram sim à tradição patriarcal. Passamos três meses a andar de festa em festa. Era importante que todos os lobolos fossem feitos numa rajada antes que o Tony mudasse de ideias.
CHIZIANE, P. Niketche: uma história de poligamia .
São Paulo: Cia. das Letras, 2004.
No trecho do romance Niketche: uma história de poligamia ,
da escritora moçambicana Paulina Chiziane, é narrada
uma prática tradicional de casamento em que o homem,
para legitimar socialmente a relação, entrega à mulher e
à sua família dinheiro ou posses como gado. Essa prática é
conhecida na cultura africana como “lobolo”, termo da língua
tsonga, de origem Bantu, falada em Moçambique. Considerando uma formação em prol do desenvolvimento de
conhecimentos teórico-práticos, estabelecendo relações entre
o letramento literário decolonial e os saberes linguísticos em
torno do léxico, espera-se que, ao trabalhar esse excerto em
sala de aula, o professor do Ensino Médio seja capaz de
✂️ a) realizar análise centrada nos elementos da narrativa,
focando aspectos relacionados ao enredo e à construção
da progressão textual. ✂️ b) analisar as escolhas linguísticas como representação de
saberes locais, abordando estética literária provida de
intencionalidade cultural. ✂️ c) refletir sobre a presença de palavras de origem africana
como elemento exótico, tornando o texto literário isento
de influências colonialistas. ✂️ d) explorar, esteticamente, a dimensão textual a partir da
proposição de reescrita, contemplando a norma linguística
hegemônica da Língua Portuguesa.