Carlos é hoje um homem dividido, Mário, e isso graças às suas cartas.
Às vezes ele torce pelas palmeiras paródicas do Oswald de Andrade (a ninguém cá da
terra passou despercebido o título que quer dar ao seu primeiro livro de poemas — Minha terra
tem palmeiras ). Às vezes não quer esquecer o gélido cinzel de Bilac e a prosa clássica dos
decadentistas franceses, e à noite, ao ouvir o chamado da moça-fantasma, fica cismando
ismálias em decassílabos rimados. Às vezes sucumbe ao trato cristão da condição humana e,
à sombra dos rodapés de Tristão de Ataíde, tem uma recaída jacksoniana. Às vezes não sabe
se prefere o barulho do motor do carro em disparada, ou se fica contemplando o sinal
vermelho que impõe stop ao trânsito e silêncio ao cidadão. Às vezes entoa loas à vida besta,
que devia jazer para sempre abandonada em Itabira. Mas na maioria das vezes sai
saracoteando ironicamente pela rua macadamizada da poesia, que nem um pernóstico
malandro escondido por detrás dos óculos e dos bigodes, ou melhor, que nem a foliona negra
que você tanto admirou no Rio de Janeiro por ocasião das bacanais de Momo.
SANTIAGO, S. Contos antológicos de Silviano Santiago . São Paulo: Nova Alexandria, 2006.
Inspirado nas cartas de Mário de Andrade para Carlos Drummond de Andrade, o autor dá a
esse material uma releitura criativa, atribuindo-lhe um remetente ficcional. O resultado é um
texto de expressividade centrada na
✂️ a) hesitação na escolha de um modelo literário ideal. ✂️ b) colagem de estilos e estéticas na formação do escritor. ✂️ c) confluência de vozes narrativas e de referências biográficas. ✂️ d) fragmentação do discurso na origem da representação poética. ✂️ e) correlação entre elementos da cultura popular e de origem erudita.