Um conto de palavras que valessem mais por sua
modulação que por seu significado. Um conto abstrato
e concreto como uma composição tocada por um grupo
instrumental; límpido e obscuro, espiral azul num campo
de narcisos defronte a uma torre a descortinar um lago
assombrado em que o atirar uma pedra espraia a água
em lentos círculos sob os quais nada um peixe turvo
que é visto por ninguém e no entanto existe como algas
do oceano. Um conto-rastro de uma lesma também
evento do universo qual a luz de um quasar a bilhões de
anos-luz; um conto em que os vocábulos são como notas
indeterminadas numa pauta; que é como bater suave
e espaçado de um sino propagando-se nos corredores
de um mosteiro [...]. Um conto noturno com a fulguração
de um sonho que, quanto mais se quer, mais se perde;
é preciso resistir à tentação das proparoxítonas e do
sentido, a vida é uma peça pregada cujo maior mistério
é o nada.
SANT’ANNA, S. Um conto abstrato. In: O voo da madrugada .
São Paulo: Cia. das Letras, 2003.
Utilizando o recurso da metalinguagem, o narrador busca
definir o gênero conto pelo procedimento estético que
estabelece uma
✂️ a) confluência de cores, destacando a importância do
espaço. ✂️ b) composição de sons, valorizando a construção
musical do texto. ✂️ c) percepção de sombras, endossando o caráter
obscuro da escrita. ✂️ d) cadeia de imagens, enfatizando a ideia de
sobreposição de sentidos. ✂️ e) hierarquia de palavras, fortalecendo o valor unívoco
dos significados.