Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a pagar mais do que as coisas valem. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. A gente se acostuma para não se ralar na
aspereza, para preservar a pele. Se acostuma
para evitar feridas, sangramentos, para
esquivar-se de faca e baioneta, para poupar
o peito. A gente se acostuma para poupar a
vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta
de tanto acostumar, se perde de si mesma.
COLASANTI, M. Eu sei, mas não devia.
Rio de Janeiro: Rocco, 1996 (adaptado).
Nesse texto, em que a autora critica o estilo
de vida imposto pela modernidade, um dos
elementos responsáveis pela sua progressão é a
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