Ela parecia pedir socorro contra o que de algum modo
involuntariamente dissera. E ele com os olhos miúdos
quis que ela não fugisse e falou:
— Repita o que você disse, Lóri.
— Não sei mais.
— Mas eu sei, eu vou saber sempre. Você literalmente
disse: um dia será o mundo com sua impersonalidade
soberba versus a minha extrema individualidade de
pessoa, mas seremos um só.
— Sim.
Lóri estava suavemente espantada. Então isso era
a felicidade. De início se sentiu vazia. Depois seus olhos
ficaram úmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como
o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal
a assassinava docemente, aos poucos. E o que é que eu
faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha
e aguda, que já está começando a me doer como uma
angústia, como um grande silêncio de espaços? A quem
dou minha felicidade, que já está começando a me rasgar
um pouco e me assusta? Não, não quero ser feliz. Prefiro
a mediocridade. Ah, milhares de pessoas não têm coragem
de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa
desconhecida que é sentir-se feliz e preferem a mediocridade.
Ela se despediu de Ulisses quase correndo: ele era o perigo.
LISPECTOR, C. Uma aprendizagem ou o livro dos prazeres.
Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1990.
A obra de Clarice Lispector alcança forte expressividade
em razão de determinadas soluções narrativas.
No fragmento, o processo que leva a essa expressividade
fundamenta-se no
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