(Moysés & Collares, 1997), a autora, que é médica, avalia crianças apontadas pelos professores como futuros repetentes
logo no início do ano. E seu método de avaliação visa superar a artificialidade dos testes e, em uma via contrária, parte
do que a criança gosta de fazer para avaliar o seu desenvolvimento e conhecimentos de leitura e escrita. A título de
exemplo, ouçamos o caso de Daniela, que no momento da pesquisa tinha 8 anos e 4 meses. Para todas as crianças
avaliadas, a autora faz um resumo sobre a fala da professora, da mãe ou pai, da própria criança e, para finalizar, sua fala
de médica:
A professora
É muito magrinha, muito enjoada, nunca come a merenda. Acho que é subnutrida. Ah! É sim, o caso dela é gritante... De
desnutrição, de relaxo da mãe. É assim mesmo, a gente vê muito, não sabe a alimentação que a criança precisa comer, dá
porcaria, aí fica desnutrido. O médico já explicou isso várias vezes, ele vinha aqui examinava e dizia: “desnutrição, a criança quer
aprender, mas não aprende”. Mas não adianta, as mães não se interessam, não levam no postinho, a mãe acho que nunca levou
no médico.
A mãe
Ela nasceu bem, de nove meses, no hospital. Pesou três duzentos e cinquenta. Teve alta no segundo dia. Nunca teve
nenhum problema. Sempre acompanhei no Centro de Saúde. O médico sempre dizia que ela estava crescendo bem, gordinha
sempre. Entrou na escola com seis anos e meio, queria muito ir, mas não aprendeu a ler, foi reprovada. Não sei por que, a
professora nunca falou nada, nunca me chamou pra nada.
Daniela
Eu? Quando crescer quero trabalhar. De vender doce, é um bom trabalho, todo mundo compra. Eu repeti porque não
aprendi. {Por que você não aprendeu?} Por quê? Não sei...
A médica
A mãe tem o cartão com a evolução de peso e altura nos dois primeiros anos de vida: normal. Nunca teve qualquer doença
nutricional. Teve um acompanhamento modelo na saúde, trazendo para a consulta de hoje todos os cartões, de agendamento,
de vacinação e de medidas.
(Criança normal. Desenvolvimento normal. Estado nutricional normal. Moysés, 2001, p. 173/174.) No que se refere ao caso apresentado, assinale a alternativa incorreta .
a) Essa citação mostra que a fala da professora e da família parece não dizer da mesma criança. Ainda vivemos isso dentro da
escola: a impressão é de que se trata de mundos paralelos. É preciso construir pontes para superar esses abismos de
comunicação
b) A educação inclusiva não fica imune a essa lógica que compõe a estrutura da escola há décadas. No entanto, há
possibilidades de pontes entre esses dois mundos: escola e família.
c) Percebe-se um fogo cruzado entre escola e família. Fogo cruzado sem vencedores. É importante assumirmos que, muitas
vezes, profissionais da educação e família são representantes de classes sociais diferentes e suas falas e atitudes denunciam,
ainda, um abismo de comunicação, em que cada parte espera que a outra faça aquilo que não conseguiu realizar.
d) A perspectiva sócio-histórica e a educação inclusiva mostram através da citação que os encontros mobilizaram e uniram a
assimetria notada entre familiares e especialistas. Com espaço de diálogo e formação, pais e professores, puderam assumir
conflitos, construir novas possibilidades e com isso, colocaram “[...] em movimento a balança do poder da relação família
e escola.